As reivindicações vociferadas nas manifestações em São Paulo despertaram, em diversos centros urbanos brasileiros, a indignação da população com diversos problemas associados à mobilidade urbana nas grandes cidades do país. A maioria das reclamações, naturalmente, girou em torno do preço das tarifas e baixa qualidade dos serviços de transporte coletivo, mas será que o preço da tarifa é de fato a parte mais importante do custo associado aos problemas de mobilidade enfrentados pelos cidadãos? A Cognatis parte dessa pergunta para iniciar a série “bairros brasileiros”, que trará semanalmente um novo post sobre nossos bairros.
Partimos de uma premissa simples. Com se diz: tempo é dinheiro. E o tempo que “perdemos” para ir e voltar ao trabalho não é diferente. Este tempo está associado a um “custo de oportunidade” já que, se não tivesse sido alocado no deslocamento, poderia ser usado em outra atividade mais útil para o indivíduo, remunerada ou não. É comum medir o valor do tempo de um trabalhador através de seu rendimento monetário, ou seja, do valor de rendimento associado a um determinado intervalo de tempo (rendimento por hora, por exemplo). Este método se apoia na premissa que o trabalhador poderia, teoricamente, alocar o tempo perdido em alguma atividade remunerada equivalente ao seu trabalho atual. Trata-se de uma premissa forte, pois sabemos que o mercado de trabalho não oferece esse tipo de liberdade de escolha aos trabalhadores. Ainda assim, é o melhor que pode ser feito sem mais informações sobre as alternativas disponíveis aos cidadãos trabalhadores. E permite comparações entre bairros.
Usando dados do censo demográfico sobre o tempo de deslocamento dos trabalhadores para ir e voltar do trabalho, foi possível contruir um ranking de bairros pelo suposto custo de oportunidade associado ao deslocamento diário. A tabela abaixo mostra os bairros em que os trabalhadores levam mais tempo para chegar ao trabalho, e consequentemente, pagam mais em relação as suas rendas. Note que a grande maioria está em São Paulo (surpresa??) e na periferia ou região de subúrbio. Nos piores casos, como o bairro “Cantinho do Céu”, o custo médio de oportunidade do trabalhador chega perto de 50% de seu rendimento total. Afinal, estamos falando de cidadãos que em média passam quase quatro horas entre o trabalho e casa.
A análise deste dados revela outro fato importante: os bairros em que se perde mais, em relação à renda, são também os mais pobres. Nada surpreendente já que o alto custo (em todos os sentidos) associado a viver na periferia das grandes cidades brasileiras faz com que aqueles com maior poder aquisitivo optem por se localizem em áreas mais centrais. Mas é sempre surpreendente ver como o altíssimo custo associado à “Imobilidade” urbana está por trás desta lógica urbana perversa. O gráfico abaixo revela o fenômeno mais claramente. O tempo de deslocamento, e custo de oportunidade associado, cai fortemente na medida em que cresce a renda média do bairro de residência. Esta tendência é revertida apenas nas faixas de renda muito alta, quando famílias decidem bancar o alto custo de morar em áreas distantes dos centros em busca de maior qualidade de vida.
Como vimos antes, está na área metropolitana de São Paulo a maioria dos bairros onde mais tempo se leva para ir e voltar ao trabalho. Mas quais são os bairros em que o tempo de deslocamento é menor? A tabela abaixo mostra os dois extremos da cidade: bairros com as piores e melhores condições de mobilidade (em termos de tempo de deslocamento para o trabalho) são comparados. Chama a atenção notar que, mesmo nos bairros mais privilegiados como Vila Madalena, Jardim América, o tempo médio de deslocamento chega à quase uma hora por dia em média, o que em alguns casos representa uma perda (em termos de oportunidade) de mais de dois mil reais por mês por família.
Bom, se ainda restava dúvida agora não mais: não são mesmo apenas os 20 centavos!